Lagoa Grande (PE), Jaíba (MG) e Casa Nova (BA) – O Rio São Francisco, “sangue que corre no corpo da terra”, como definiram Geraldo Azevedo e Clóvis Nunes na música Opara, muda a paisagem do semiárido do vale. Terras castigadas pelo sol se transformam em uma espécie de oásis da fruticultura e do vinho de boa qualidade, que cria empregos para famílias carentes e começa a fazer diferença nas exportações brasileiras. A irrigação garante a produtores de Pernambuco e da Bahia safras de uvas apreciadas fora do Brasil. A água levada em canais até o Norte de Minas, numa espécie de minitransposição, também abre caminho para que a manga e o limão conquistem mercados na Europa.
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A importância do São Francisco para a fruticultura e a produção de vinhos no país é o tema da quarta parte da série de reportagens publicada desde domingo pelo Estado de Minas sobre a economia ao longo do rio. No Norte de Minas, a engenharia que permitiu irrigação na região começou com o projeto Jaíba, implantado na década de 1970 na cidade de mesmo nome. Hoje, a fruticultura na área é garantida por 600 quilômetros de canais que levam a água do rio a centenas de produtores, sobretudo de limão, manga e banana. Duas das quatro etapas do Jaíba já foram implantadas pela parceria União e estado. “Apenas a primeira etapa (25 mil hectares) produz 150 mil toneladas de frutas, das quais 28 mil são de limão. Desses, 60% vão para o exterior”, relata Dimas Rodrigues, superintendente da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) no estado.
O produtor Darcy da Silveira Glória começou a exportar limão para a Inglaterra há dois meses. Desde 2009, ele vende manga para Portugal e Espanha. Outros produtores mandam as frutas para a Holanda, de onde são distribuídas para países europeus. “O Velho Chico é a vida desta região, mas com potencial para alavancar a economia do país”, acredita Darcy, dono de 7 mil pés de manga e 9 mil de limão. Para desfrutar do serviço de irrigação vindo do rio, ele e os demais produtores desembolsam R$ 35 por metro cúbico de água retirada do São Francisco pelo canal. Atualmente, o Jaíba garante emprego a 40 mil pessoas.
O colhedor de mangas Selmo Lucas Miranda, de 19 anos, é um deles. Ele começou a trabalhar, no feriado de 1º de maio, quando um caminhão chegou à propriedade de Darcy da Silveira Glória para levar o produto para outras cidades mineiras. “Boa parte das famílias da região deve tudo à fruticultura”, diz Selmo, que recebe R$ 25 por dia. As frutas colhidas em todo o vale ajudaram o país a registrar, de 2006 a 2010, aumento de 25% na exportação nacional do setor, de US$ 700 milhões para US$ 875 milhões.
Clima favorável
Em casa nova (BA), maria aparecida bispo colhe uvas que são usadas no brasil na fabricação de vinhos e vendidas para o exterior principalmente para consumo in natura:
Em casa nova (BA), maria aparecida bispo colhe uvas que são usadas no brasil na fabricação de vinhos e vendidas para o exterior principalmente para consumo in natura: "é o que garante nosso emprego"
No sertão de Pernambuco e da Bahia, o carro-chefe da fruticultura é a uva. Para ter ideia do que o rio representa para essa cultura, basta recorrer a a estatística do governo federal: 99% das uvas exportadas pelo Brasil são cultivadas no vale, sobretudo em Petrolina, onde a produção anual chega a 250 mil toneladas, e nas vizinhas Santa Maria da Boa Vista e Lagoa Grande. O sucesso da fruta é explicado pelas condições climáticas da região, com pouca chuva e sol forte, combinação que estimula as parreiras a produzirem duas safras por ano.
A fartura de uva fomentou outro mercado, o de vinho. As vitivinícolas da região, segundo a Codevasf, respondem por 15% do mercado nacional. A produção anual é de 7 milhões de litros de vinho e deve alcançar os 20 milhões até 2014. Só a Ouro Verde, em Casa Nova, a 30 quilômetros de Petrolina, pretende dobrar a produção até 2020. “Nossa meta é fabricar, daqui a nove anos, 5 milhões de litros”, planeja Rafael Loura, coordenador de Enoturismo da Ouro Verde. Parte da produção é enviada para Inglaterra, Estados Unidos, Holanda, Alemanha, Canadá e França. O aumento da demanda, acredita Rafael, vai abrir mais postos de emprego na vinícola. Hoje, 160 pessoas trabalham na colheita da uva, na fabricação do vinho e em serviços administrativos.
“A uva e o vinho garantem nosso emprego”, diz Maria Aparecida Martins Bispo, de 23, que colhe uvas há sete meses em Casa Nova. Centenas de outros jovens aproveitam a fama da uva e ocupam as margens das rodovias para vender caixas do fruto por R$ 5. Como nas palavras de Geraldo Azevedo, que acaba de lançar o CD e DVD Salve São Francisco, o “Velho Chico traz o verde à caatinga”.