domingo, 14 de agosto de 2011

Para além das terras do litoral.


O sertão surge como um contraste em relação às terras "apartadas do litoral", para depois ganhar forma tanto física quanto no imaginário das pessoas, por suas histórias e personagens. Construído entre veredas de mandacarus e juazeiros, o sertão consegue se firmar como a terra que serviu de cenário para a "civilização do couro", como chamou o historiador Djacir Menezes. A expansão da pecuária e a fazenda de gado com os vaqueiros foram os principais elementos do século sertanejo
Um dos símbolos do Nordeste rural, o vaqueiro continua fazendo parte da paisagem do sertão por onde se embrenharam os criadores de gado da região. Eles não entraram pelas matas e alagados, preferindo desbravar as vastas extensões de terras distantes do fértil litoral, como revela a historiadora Mary Del Priore. Das veredas criadas às custas de ferimentos no próprio corpo desses homens, o sertão foi sendo desenhado. Hoje, não desbravam mais cada palmo de terra, nem tampouco arriscam a vida para pegar uma rês desgarrada, mas povoam o imaginário de um lugar que ficou conhecido por abrigar homens considerados, antes de tudo, "fortes".
Os criadores de gado, a partir da instalação do governo-geral, em 1549, iniciaram a "lenta expansão da pecuária no Nordeste". Naquela época, o sertão significava "as terras apartadas do litoral". A mata nativa do litoral fora substituída pela cana-de-açúcar, dando origem à aristocracia em torno de um dos mais prósperos ciclos econômicos do País, o da cana-de-açúcar. Mas, aos poucos, a peleja entre as terras férteis do litoral e as veredas inóspitas dos juazeiros e mandacarus - aos quais apenas o couro dos gibões dos vaqueiros resistia - iam dando forma ao sertão e aos seus personagens.

Começou com a cana

A devastação da paisagem do Nordeste, marcada pelo caráter exploratório do português, não é de hoje. Começa ainda no período colonial quando a mata nativa é substituída pela cana-de-açúcar, consolidando a prática agrícola da monocultura, cujos efeitos são sentidos até hoje. "Sabe-se o que era a mata do Nordeste, antes da monocultura da cana: um arvoredo tanto e tamanho e tão basto e de tantas prumagens que não podia o homem dar conta", relata o sociólogo pernambucano, Gilberto Freyre, no ensaio "Nordeste: aspecto da influência da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil".
Destaca que o canavial destruiu as matas "pelo modo mais cru: a queimada", denunciando o seu caráter "civilizador" e ao mesmo tempo devastador. E denuncia uma das faces mais cruéis da devastação das matas nordestinas: "às vezes, esbanja-se madeira de lei fazendo-se e cercas enormes dividindo um engenho de outro. Vaidade de senhor de engenho patriarcal".
O sociólogo considera como um dos mais violentos o início do que ele chama "o drama da monocultura no Nordeste do País". O impacto dessa destruição foi sentido também em alterações do clima, da temperatura e no regime de águas. Cerca de quatro ou cinco séculos depois, a situação agrava-se com as mudanças climáticas, cujas projeções são implacáveis com o semiárido brasileiro.

"Como se faz um deserto"

O engenheiro Euclides da Cunha, em "Os Sertões", publicado em 1902 sobre a Campanha de Canudos, ocorrida cinco anos antes, dá a receita de "como se faz um deserto", enfatizando que "esquecemo-nos, todavia, de um agente geológico notável - o homem" e continua: "este, de fato, não raro reage brutalmente sobre a terra e entre nós, nomeadamente, assumiu, em todo o decorrer da história, o papel de um terrível fazedor de desertos".
Informa que "começou isto por um desastroso legado indígena" e descreve como, após cortar as árvores, se ateava fogo às coivaras, até transformar em cinzas a mata exuberante. Segue detalhando que a terra era cultivada, processo repetido na estação seguinte, "até que, de todo exaurida aquela mancha de terra fosse, imprestável, abandonada e caapueira - mato extinto" e "o aborígene prosseguia abrindo novas roças, novas derrubadas, novas queimas, alargando o círculo de estragos em novas caapueiras, agravando, à medida que se ampliavam, os rigores do próprio clima que as flagelava".
"Veio depois o colonizador e copiou o mesmo proceder": "abria-os de idêntico modo, o fogo livremente aceso, sem aceiros, avassalando largos espaços, soltos nas lufadas violentas do nordeste. Aliou-se ao mesmo tempo o sertanista ganancioso e bravo, em busca do silvícola e do ouro."
Conta que, em meados do século XIX, conforme velhos habitantes das povoações ribeirinhas do São Francisco, "os exploradores, que em 1830 avançavam, a partir da margem esquerda daquele rio, carregando em vasilhas de couro indispensáveis provisões de água, tinham na frente, alumiando-lhes a rota, abrindo-lhes a estrada e devastando a terra, o mesmo batedor sinistro, o incêndio. Durante meses seguidos viu-se no poente, entrando pelas noites dentro, o reflexo rubro das queimadas."
Conclui dizendo que, ao fim da seca lendária de 1791-1792, "que sacrificou todo o norte, da Bahia ao Ceará", o governo da metrópole estabeleceu, como corretivo único, severa proibição ao corte de florestas".


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