segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016


A exploração do gesso e os riscos da desertificação

O gesso e as placas utilizadas em tetos, banheiros e cozinhas vêm da Chapada do Araripe (PE), onde 80% da vegetação da caatinga foram queimadas.



                                           Najar Tubino



Ouricuri (PE) – A caatinga está verde no sertão de Pernambuco, com as chuvas que caíram em janeiro. A esperança dos sertanejos, reunidos na Caravana Agroecógica e Cultural organizada pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), em parceria com as organizações sociais Caatinga – presente a 25 anos na região-, da ASA e da Universidade Federal Rural de Pernambuco é que ela continue em março. O milho e o feijão já nasceram, mas correm o risco de secar, se a chuva não chegar, encerrando um ciclo de quatro anos seguidos de estiagem.

A Chapada do Araripe está no extremo oeste do estado, no limite com o Ceará e o Piauí, conta com 11 municípios, uma população de 231 mil habitantes, conhecido nacionalmente pelo gesso industrial e agrícola aqui produzido. Uma história de desenvolvimento concentrado, que beneficia uma minoria, já reduziu 80% da vegetação da caatinga, para ser queimada nos fornos das calcinadoras. O mineral gipsita encontrado na Chapada do Araripe tem uma pureza entre 88 e 98%, a mais alta do mundo. Esta também é uma história que envolve êxodo rural, poluição atmosférica, destruição de solos e comunidades de agricultores familiares, prostituição infantil, drogas e alcoolismo.

Essência da caravana é mostrar a realidade

Esses assuntos foram discutidos durante a abertura da Caravana Agroecológica por 120 participantes de vários estados- Bahia, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e Minas Gerais. A região também faz parte do estudo “Promovendo Agricultura em Rede”, projeto da ANA com o apoio do BNDES e da Fundação Banco do Brasil. Foram estabelecidas quatro rotas de visitas no campo, para conhecer os problemas enfrentados pelos agricultores e agricultoras familiares com a chegada da indústria do gesso, de grandes obras como a Transnordestina e da pecuária, que substitui a vegetação da caatinga por pasto. A essência da Caravana Agroecológica é esta: retratar o perfil da região, dos sistemas de produção, detalhar a produção agroecológica e mostrar o sofrimento das comunidades com o avanço do capitalismo selvagem que sempre impera no Brasil rural.


O caso do Polo Gesseiro do Sertão do Araripe, porque as minas estão localizadas no vale, e não na serra, é um exemplo amplamente deseducativo. O governo de Pernambuco apresenta como um arranjo produtivo local, que gera 12 mil empregos diretos outro tanto indireto, em 42 minas, 174 indústrias de calcinação – o minério é derretido para produzir o gesso –e 750 indústrias de pré-moldados, uma avaliação do Instituto Tecnológico de Pernambuco para um simpósio da chamada cadeia produtiva realizado em 2014. Os dados são sempre jogados para cima. Mesmo assim, o documento do evento ressalta:

“- Esse cenário – do desmatamento da caatinga – coloca o Araripe como área susceptível à desertificação e suas consequências nos aspectos sociais, e ambientais e econômicos”.

Como vive uma família vizinha da fábrica

Anualmente o Polo Gesseiro consome 652 mil metros cúbicos de madeira para queimar em fornos antigos, que desperdiçam energia. O próprio documento do Simpósio ressalta: “os processos de queima são ultrapassados com grandes perdas ambientais e econômicas”. Lógico que a saída é plantar uma exótica, é também claro que se trata do eucalipto, uma árvore extremamente exigente em água, que neste raciocínio insano, é totalmente adequada para um território que está em um processo de desertificação.

Fiz parte da Rota 4, cujo objetivo era mostrar como vive uma família de agricultores e agricultoras familiares, que tem como vizinho uma calcinadora de gesso. A visão do pó branco estava disfarçada pela chuva que caiu recentemente. Mas normalmente as plantas estão sempre cobertas de branco. Dona Dudu, de 45 anos, moradora há 40 anos no Sítio Riacho Novo, com cinco filhos diz que volta da roça pintada de branco. Não é apenas um caso de poluição atmosférica, que irrita a garganta, os olhos, durante a seca. O pó de gesso penetra ao longo do tempo nos pulmões e termina por calcinar os brônquios. Além do rejeito acumulado perto das minas que ficam a poucos metros da comunidade de dona Dudu.

Prostituição infantil e violência contra mulheres

Antes da instalação da fábrica ela convocou os vizinhos para assinarem um abaixo-assinado contra a instalação da fábrica. Saiu durante o dia para procurar o promotor e o juiz na cidade, mas não conseguiu contato. Voltou à noite para o sítio, que fica no município de Trindade, cerca de 30 km de Ouricuri, e estavam todos apavorados. Não queriam mais participar do movimento. Temiam ser presos. E deu no que deu. Muitas famílias formam embora, inclusive o agricultor que vendeu a terra à empresa, muitos se arrependeram de não protestar e todos se queixam das consequências.

O fluxo de caminhões caçamba carregados de pedras de gipsita é constante, as explosões nas minas – algumas já atingiram mais de 100 metros de profundidade – provoca rachadura nas casas. Os caminhoneiros acampam na beira de estradas, cercadas de botequins de quinta categoria, onde mulheres e crianças são vendidas como mercadoria. A prostituição infantil e os índices de AIDS são elevados na região. Há 15 anos o Fórum das Mulheres do Araripe tenta junto ao governo estadual a instalação de uma delegacia da mulher e um centro de referência ou uma casa de apoio para mulheres agredidas.

Os trilhos separam mãe e filha

Mas a Chapada em grupos, comunidades, cooperativas envolvidos com a agroecologia, que lutam para produzir comida de verdade, sem agrotóxicos. A tradição da organização dos trabalhadores e trabalhadoras sem terra é muito antiga na Chapada do Araripe. Começou na década de 1960 com as comunidades eclesiais de base e com as ligas camponesas. O próprio sindicato dos trabalhadores rurais tem mais de 60 anos em Ouricuri, e a mesma linha de apoio e luta pela terra e por políticas públicas, que beneficiam os agricultores familiares é defendida pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco.

Nas outras rotas, os participantes conheceram a irresponsabilidade das construtoras brasileiras, neste trecho da Odebrecht, encarregada na construção da ferrovia Transnordestina, que já chegou a Araripina, dentro do polo gesseiro. Os trilhos cortam comunidades inteiras, famílias, como do seu João Henrique e de dona Inocência, que precisa descer pelo menos 20 metros, atravessar os trilhos, subir outros 20 metros e chegar à casa da filha, que fica dentro da propriedade da família. Como indenização do corte de um hectare receberam R$3 mil. A responsabilidade social das construtoras no Brasil é pré-capitalista, não enxerga as pessoas que encontra pelo caminho. Por sinal, todo vez que você, a senhora, o senhor, seus parentes e amigos comprarem um apartamento, casa, mansão, não esqueça que o gesso e as placas utilizadas em tetos, em banheiros em cozinhas vieram da Chapada do Araripe, onde 80% da vegetação da caatinga foram queimadas.   

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Mudanças climáticas à vista nas margens do Rio São Francisco

Mudanças climáticas à vista nas margens do Rio São Francisco

 


Na Bahia, quase a metade das cidades da caatinga, no entorno do Rio São Francisco, têm alto risco de sofrer danos provocados pelas mudanças climáticas nos próximos 25 anos. A conclusão é de um estudo realizado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que mapeou a vulnerabilidade às alterações do clima em 84 municípios, que fazem parte da bacia hidrográfica do Velho Chico e estão localizados na região do bioma caatinga. Coordenada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) e Centro de Pesquisas René Rachou (Fiocruz-Minas), a pesquisa utiliza uma metodologia desenvolvida na Fiocruz que já foi aplicada para mapear a vulnerabilidade nas cidades do Rio de Janeiro. O trabalho foi financiado pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, por meio de edital, e contou com o apoio da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz.
A gravidade das alterações climáticas previstas para a região foi um dos fatores que levaram os pesquisadores a realizar o estudo. “Esta será uma das áreas mais afetadas pelas mudanças do clima. Além disso, o bioma da caatinga é muito peculiar e característico do nosso país. É importante preservá-lo”, afirma a pesquisadora do IOC Martha Barata, coordenadora-geral do projeto. Especialista em mudanças do clima e cidades, Martha é coordenadora do núcleo da Rede de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Urbanas (UCCRN, na sigla em inglês) para a América Latina, anunciado no ano passado.

Mais calor e menos chuva

Com base em dados do Instituto Nacional de Estudos Espaciais (Inpe), os pesquisadores identificaram as possíveis alterações de temperatura e de volume de chuvas para cada um dos 84 municípios nos próximos 25 anos considerando dois cenários de futuro: um cenário com redução nas emissões de gases do efeito estufa e menor aquecimento global, e outro que considera a progressão contínua dessas emissões e maior impacto no clima. Para 2040, a previsão é a de que a média de temperatura na região suba no mínimo 0,98°C e no máximo 1,75°C. Ao mesmo tempo, o volume de chuvas anual deve cair entre 101 mm e 172 mm no conjunto dos municípios. Além da tendência geral de clima mais quente e seco, os índices apontam para a possibilidade de mudanças extremas. A cidade de Buritirama pode ficar 2,13°C mais quente. Já em Urandi, a queda na precipitação pode ser de 438 mm.
Calcular o impacto das alterações de chuvas e temperatura em cada cidade é apenas uma das etapas para determinar a vulnerabilidade da população às mudanças climáticas. Segundo Martha, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (chamado de IPCC, na sigla em inglês) define a vulnerabilidade como “a propensão a sofrer danos”. Esta é influenciada pelo nível de exposição, pela sensibilidade e pela capacidade de adaptação da população ao fator de perigo. “No estudo, consideramos que o nível de exposição é apontado pelas características ambientais, a sensibilidade pode ser percebida pela ocorrência de certas doenças, a capacidade de reação é indicada pelo perfil socioeconômico do município, e o fator de perigo é a possível mudança do clima”, enumera a pesquisadora.
Fonte: ECODEBATE

A Universidade Federal Rural de Pernambuco e o Comitê Estadual celebram o Dia Nacional da Caatinga

Marcelo, Suassuna, Rita, Ednilza e Márcio (CERBCAA/PE) João Suassuna (Fundaj) Márcia Vanusa (UFPE) Francis Lacerda (IPA) e Jo...