quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A verdadeira ameaça à agricultura brasileira.



Por José Alves de Siqueira Filho (*)

O que a tragédia ocorrida após o temporal no interior de Pernambuco e em Alagoas tem a ver com o a agricultura e a pecuária e com o novo Código Florestal Brasileiro, que está em vias de ser aprovado? O documento prevê a diminuição das exigências legais para a proteção de matas ciliares - localizadas nas beiras dos rios -, a sobreposição de reservas legais e de áreas de preservação permanente, a flexibilização dessas últimas, além de anistia geral aos infratores do passado. Esse conjunto de intervenções nos permite dizer que a agricultura e a pecuária serão seriamente prejudicadas e que as chances de enchentes semelhantes acontecerem novamente são reais. O que fazer para evitar episódios parecidos? Como o ciclo se repete? A ausência de matas ciliares, a ocupação desordenada dessas áreas e o histórico secular da produção da agroindústria da cana-de-açúcar nas margens dos rios que cortam os 67 municípios pernambucanos atingidos pelas chuvas são retrato da desastrosa política de uso e ocupação do solo. Hoje, no entanto, há conhecimento técnico e científico para reverter a situação. Coincidentemente, a destruição provocada pelo "tsunami continental", o primeiro do gênero na região, ocorreu em vários municípios alagoanos, assim como em Barreiros, Água Preta e Palmares (PE), além de cidades do Agreste de Pernambuco que até bem poucos dias atrás clamavam por chuva.
As consequências na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Cabanos, em Altinho (PE), ajuda a contar essa história de desconstrução e irracionalidade humana à luz dos interesses de grupos econômicos e políticos preocupados em ampliar seus negócios internacionais, especialmente a China, que resolveu comer carne de boi, gostou e quer mais. O caso de Cabanos é paradoxal e quase inverossímil. O poder de resiliência da vegetação retornar às condições originais de 100 anos atrás é praticamente nulo. Recentemente, fizemos o plantiode sementes e mudas nas margens do Rio Una que corta a propriedade que possui a RPPN. É uma pequena amostra da biodiversidade que um dia ocupou a região da Bacia do Una. O plantio foi um fracasso por conta da quantidade de gramíneas exóticas e invasoras que ocupam as margens do rio para alimentar o gado e, claro, por conta das chuvas que este ano atrasaram. Tentamos replantar com as ingazeiras, árvores de crescimento rápido e muito eficientes na contenção de erosões. Plantamos também sementes de forma adensada em várias linhas na margem, mas a erosão da beira do rio forma barrancos impedindo a fixação das pequenas plantas.
O rio também está repleto de barragens que abastecem as propriedades sem uma política de uso e gestão das águas do Una. Agora, o custo da restauração será ainda maior exigindo conhecimentos da bioengenharia. A omissão do poder público, especialmente do Incra, que legalizou várias desapropriações de terras nas vazantes e leitos de rios; do Ibama, que não fiscaliza e, quando multa, ninguém paga, pois sempre cabem recursos judiciais; do Ministério Público, o órgão mais independente de todos, mas que carece de sensibilidade e clareza em suas linhas de prioridades sobre as grandes questões ambientais; das prefeituras municipais, que se restringem a pagar apenas a folha salarial, acéfalas de programas governamentais de médio e longo prazo; da escola pública, que não educa as crianças. Para muitos, o rio é o esgoto onde deve ser colocado o lixo. Não é à toa que em Palmares, Catende, Jaqueira e Maraial, as casas ficam de costas para o Rio Una, onde se vê apenas canos de esgotos das casas. Os ribeirinhos reconstroem suas casas recuperando aberrações hidráulicas em direção ao rio, as usinas plantam cana-de-açúcar e os pecuaristas capim para o gado. Parece que nada aconteceu e tudo é desígnio de Deus. Ao invés de diminuir a exigência de matas ciliares, o governo precisa implementar um programa para o pagamento de serviços ambientais às propriedades que protegem suas nascentes e matas ciliares. É necessário estimular o plantio imediato e a ampliação da rede de proteção para o dobro do exigido pela legislação atual. No caso das matas ciliares diminuídas ou eliminadas, rios simplesmente secam ou se tornam temporários. Outra parte deles morre servindo apenas de canal para as enxurradas cada vez mais frequentes, como as sugeridas pelos especialistas em aquecimento global. Na Mata Sul, desprovida de cobertura florestal, conjuntos habitacionais populares são instalados de forma irresponsável. O problema só muda de lugar: das encostas do morro para a beira do rio.
O momento é oportuno para o governo desapropriar as casas e readequar a urbanização das cidades. O rio já fez a sua parte. Limpou tudo e de graça. Quanto ao código, os sérios equívocos nele propostos irão cobrar suas contas no futuro. Nunca conseguimos executar, à guisa da razão, o antigo. Com o atual, basta deixar como está. Por isso suas implicações serão ainda mais drásticas, provocando enormes prejuízos à agricultura brasileira.
(Fonte: UNIVASF)

(*) Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf)

jose.siqueira@univasf.edu.br

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